terça-feira, 28 de março de 2017

Coleiras de escravos foram encontradas

Sobre a mesa, parecem apenas dois aros de latão, duas braçadeiras... Investidas da história que carregam, anulam o peso real e ganham outra dimensão. As argolas douradas foram apertadas à volta dos pescoços de seres humanos como sinal de propriedade. Nem os cães as carregam assim, de metal frio. Os pormenores estéticos não escondem o horror da atitude e o símbolo da animalização do ser humano. Uma de tão pequena, parece ter sido feita para uma criança, à semelhança do que se praticava nas cortes metropolitanas dos europeus colonialistas ou nas famílias abastadas do Brasil, no tempo em que ser negro era sinónimo de ser escravo.

O mistério da coleira desaparecida do Museu Nacional de Arqueologia está resolvido, e em duplicado. No próximo dia 22 de abril, na exposição de artefactos ligados à escravatura, no âmbito da iniciativa “Lisboa, Capital Ibero-Americana de Cultura” os visitantes poderão ver, afinal, não uma, mas duas coleiras de latão que proprietários portugueses de Benavente e do Carvalhal obrigaram os seus escravos a usar ao pescoço, no século XVIII, como se fossem animais domésticos.
As peças, muito raras, repousaram em sossego durante cerca de 60 anos, embrulhadas em papel higiénico, num envelope de papel, nas instalações o Museu de Arqueologia (MNA), nos Jerónimos — excetuando um ligeiro abanão no final da década de 80 e outro já este século,em tempos de arrumações, Ninguém sabia delas até o Expresso tocar no assunto com uma investigação publicada no passado dia 4 de março, na qual se referia irem ser expostos dois desenhos feitos no princípio do século XX, em substituição dos objetos desaparecidos. O Expresso contou a história das coleiras — uma, com a certeza de que pertencia ao museu devido à inscrição no inventário, a que tinha a inscrição “Este preto pertence a Agostinho de Lafetá do Carvalhal de Óbidos”, da outra só se sabia o que estava gravado no latão: “Este escravo pertence a Luiz Cardozo de Mello morador em Benavente.” A investigação tomou conta da conversa do grupo dos mais antigos funcionários do MNA, que habitualmente almoça junto. Luísa Guerreiro, Luís e Adília Antunes, Adolfo Silveira, Maria José Albuquerque e Mário Jorge Almeida lamentavam o caso quando um deles disse lembrar-se de ter visto “umas coisas” conformes à descrição.
http://expresso.sapo.pt

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