quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Estudo diz que Américas tiveram dois fluxos de imigrantes


Descoberta do crânio de Luzia em MG contribui para teoria

Um estudo elaborado a partir da análise do DNA de 70 mil indivíduos – 1.338 originários do Brasil – afirma que a ocupação do continente americano foi feita por pelo menos dois movimentos migratórios. O estudo, publicado nesta quinta-feira na revista eletrônica Current Biology, diz que os primeiros habitantes das Américas falavam idiomas diversos e seguiram diferentes rotas. A nova pesquisa vai contra o resultado de outro estudo publicado há quase oito meses na revista American Journal of Physical Antropology. "Antigamente, acreditava-se na hipótese de que o povoamento das Américas fosse resultado de apenas uma migração", disse à BBC Brasil o geneticista da Universidade de Pavia, no norte da Itália, Antonio Torroni. "Eu mesmo defendia essa hipótese." "Nosso estudo revela que foram feitos dois caminhos quase concomitantes de imigração, que levaram a espalhar os paleoíndios."

Duas rotas
De acordo com Torroni, ambos os fluxos migraram da Beríngia – zona atualmente submersa entre o Alasca e a Sibéria que ligava os continentes americano e asiático – entre 15 mil e 17 mil anos atrás. "Foram usadas duas rotas: uma pela costa do Pacífico, que ajudou também a colonizar a América do Sul, e outra que provavelmente teve significativo impacto na colonização da América do Norte." Nesse período de 2 mil anos, Torroni acredita que as duas vias de acesso podem ter sido usadas várias vezes pela população que chegava da Ásia, dando origem, inclusive, à miscigenação. Torroni discorda da teoria de que, antes da chegada de Cristóvão Colombo, o continente teria sido ocupado por uma única corrente migratória, há cerca de 12 mil anos, pelos antepassados dos índios atuais. Estudos anteriores realizados por antropólogos – alguns brasileiros - tendo como base a análise de crânios já indicavam que a teoria da imigração única estava equivocada. A descoberta do crânio de Luzia, encontrado em uma gruta de Lagoa Santa, em Minas Gerais, na década de 70, também derrubava essa explicação. Recebida com críticas inicialmente, a teoria brasileira vem sendo cada vez mais aceita. Ela indica que, antes dessa marcha empreendida há 12 mil anos, uma outra leva, bem mais antiga, chegou à América. E Luzia, datada com cerca de 12 mil anos pelo antropólogo da Universidade de São Paulo (USP) Walter Neves, seria descendente desse grupo.


Ancestrais
Os primeiros colonizadores seriam ancestrais dos atuais aborígines australianos e teriam saído do sul da China atual e atingido o continente americano há cerca de 15 mil anos. Eles teriam vivido milhares de anos isolados do resto do mundo até desaparecerem na disputa por caça e território. A segunda leva migratória seria a ancestral dos índios de hoje. "A partir da análise de crânios, alguns antropólogos encontraram eventuais diferenças, inclusive na América do Sul, que remetiam a essa possibilidade", destacou Torroni. "Agora, temos a comprovação genética de que a ocupação humana das Américas foi feita por pelo menos duas diferentes migrações." O trabalho do geneticista italiano e de seu grupo de cientistas americanos, espanhóis, alemães e chineses foi feito com base em amostras de DNA mitocondrial – material genético que fica dentro da mitocôndria, estrutura que processa energia nas células – adequadas para investigar linhagens maternas. Dos 70 mil indivíduos estudados, 69 tiveram o DNA mitocondrial completamente seqüenciado. Os cientistas encontraram dois diferentes tipos de DNA, relativamente raros e chamados D4h3 e X2a. O primeiro teria se espalhado pela América através da costa do Pacífico e rapidamente alcançou a Terra do Fogo. Já o X2a, basicamente ao mesmo tempo, partiu também da Beríngia e permaneceu restrito à América do Norte, sendo encontrado apenas nos Estados Unidos e Canadá.


Polêmica
Outro estudo, publicado há quase oito meses na revista American Journal of Physical Antropology, não concorda com essa teoria. Tendo como autores o antropólogo argentino Rolando González-José, do Centro Nacional Patagônico, e os geneticistas brasileiros Fabrício Santos (Universidade Federal de Minas Gerais), Maria Cátira Bortolini (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e Sandro Bonatto (PUC-RS), o trabalho diz que os primeiros habitantes do continente vieram em uma única grande migração, mas formavam um grupo bem diversificado. O quarteto analisou mais de 10 mil dados genéticos e 576 medidas de crânios de populações extintas e atuais do Novo e do Velho Mundo. Eles questionam tanto a tese de Walter Neves e do argentino Héctor Pucciarelli – de que a população mongolóide da América havia sido precedida de uma outra migração muito mais antiga, a paleoíndia – como o modelo de povoamento das Américas em três ondas migratórias a partir de 12 mil anos atrás proposto pelos americanos Christy Turner e Joseph Greenberg. De acordo com eles, todas as linhagens de DNA americanas chegaram de uma vez. Uma migração principal explicaria 98% de toda a diversidade das Américas. O estudo do grupo de Torroni diz que os primeiros americanos são originários dos paleoíndios, que, em conseqüência, deram origem a quase todos os modernos grupos de índios americanos das Américas do Norte, Central e do Sul.

BBC

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