- 23 fevereiro 2016
Se um dia você tiver a sorte de manusear um autêntico vaso da civilização maia, vai reparar em algo intrigante: o objeto é normalmente decorado com desenhos e textos que contam uma história conforme ele é girado.
E mais: as cenas recriam situações cômicas ou surreais, com o uso de recursos gráficos para dar movimento e ação aos personagens.
Nada muito diferente das histórias em quadrinhos de hoje em dia.
Mas muito além de se tratar apenas de um passatempo divertido, esse tipo de utensílio era bastante cobiçado e costumava servir de moeda de troca em difíceis negociações políticas ou formações de alianças na América Central do período entre 600 e 900 d.C..
“Era a forma de arte mais elevada que se conhecia”, explica o linguista Soren Wichmann, da Universidade de Leiden, na Holanda. “Tratava-se de uma forma altamente valorizada de se contar histórias, enquanto hoje os quadrinhos muitas vezes são encarados com uma arte menor.”
Wichmann escreveu sobre o assunto em um artigo acadêmico intitulado Os Primeiros Quadrinhos da América, e que agora ele adaptou como capítulo no livro americano The Visual Narrative Reader ("O leitor de narrativas visuais", em tradução literal).
Segundo o estudioso, os desenhos dos maias apenas mostravam cenas de histórias já conhecidas, transmitindo a ideia de que os “leitores” já conheciam a trama principal – algo diferente dos quadrinhos de hoje.
Humor e movimentos
É claro que contar histórias de uma maneira visual é algo que também pode ser observado nas pinturas encontradas nas cavernas pré-históricas. Mas o que realmente chama a atenção na arte dos maias é sua semelhança com a maneira como os desenhistas modernos representam elementos como texto, movimentos, sensações, emoções e até humor.
“É possível ver todos esses mecanismos juntos, aproximando-se de algo que é muito semelhante às histórias em quadrinhos”, explica o especialista.
Surpreso com esses estranhos paralelos? Neil Cohn, cientista cognitivo da Universidade da Califórnia em San Diego e editor de The Visual Narrative Reader, argumenta que a comunicação através de uma narrativa visual é tão natural quanto a fala ou a gesticulação, tanto que deveria ser considerada uma forma de linguagem.
Para ele, assim como os idiomas falados, cada narrativa visual evoluiu para criar seu próprio vocabulário e sua própria gramática.
Isso pode ser notado em todo o mundo. Cohn descobriu que os quadrinhos americanos e os mangás japoneses seguem regras distintas quando constroem suas histórias. Já os aborígenes Arrernte, da Austrália, adotam uma série de sinais complexos que eles desenham na areia durante uma narrativa oral que segue uma “gramática” diferente.
Por isso, mesmo que os desenhos dos maias se pareçam com os quadrinhos modernos, eles têm suas próprias convenções.
Mas outras semelhanças chamaram sua atenção, como por exemplo o uso de metáforas visuais como o fogo, que até hoje é usado para representar uma emoção.
“O fato de a raiva ser associada ao fogo nas narrativas maias e também nos quadrinhos modernos revela como concebemos esse tipo de ideia abstrata”, afirma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário