segunda-feira, 29 de março de 2010

Arqueólogos descobrem símbolos fálicos em cemitério de 4.000 anos na China

Corpos encontrados são de pessoas com traços europeus.     Cadáveres foram enterrados em barcos de cabeça para baixo.

Nicholas Wade Do ‘New York Times’ 



Povo enterrado no Cemitério do Pequeno Rio tinha descendência mista, com marcadores genéticos europeus e siberianos, e provavelmente veio de fora da China (Liu Yu Sheng via The New York Times)

No meio de um deserto aterrorizante ao norte do Tibete, arqueólogos chineses escavaram um cemitério extraordinário. Seus habitantes morreram há quase 4.000 anos, mas seus corpos ficaram preservados graças ao ar seco.

O cemitério está situado em um território que hoje pertence à província de Xinjiang, noroeste da China, mas os corpos encontrados são de pessoas com traços europeus, de cabelos castanhos e narizes longos. Muito embora estejam em um dos maiores desertos do mundo, os restos foram enterrados em barcos de cabeça para baixo.

No lugar onde deveriam estar as lápides, com frases sobre a esperança na misericórdia de um deus, o cemitério exibe uma vigorosa floresta de símbolos fálicos, sinalizando um grande interesse nos prazeres ou na utilidade da procriação.

Os corpos encontrados dentro dos barcos ainda vestiam as roupas com as quais foram sepultados

As pessoas desaparecidas não têm nome, sua origem e identidade ainda são desconhecidas. Porém, já existem muitas pistas sobre sua descendência, seu modo de vida e até mesmo sobre o idioma falado por elas.

O cemitério, conhecido como Cemitério do Pequeno Rio, fica próximo do leito seco de um rio na bacia de Tarim, uma região cercada por sinistras cadeias de montanhas. A maior parte da bacia é ocupada pelo deserto Taklimakan, uma mata tão inóspita que os viajantes da Rota da Seda preferiam contorná-la pelas fronteiras ao norte ou ao sul.

Nos tempos modernos, a região foi ocupada pelos uigures, uma etnia de idioma turco. Porém, nos últimos 50 anos, os imigrantes da etnia chinesa han também se estabeleceram no território.

Obsessão com a procriação refletia a importância da fertilidade para aquele povo

Recentemente, surgiram tensões étnicas entre os dois grupos, com conflitos em Urumqi, a capital de Xinjiang. Uma infinidade de antigas múmias - cadáveres ressecados - apareceu sob as areias, transformando-se em objeto de disputa entre os uigures e os han.

As cerca de 200 múmias têm aparência tipicamente ocidental e os uigures, mesmo que só tenham chegado à região no século 10, consideram essa uma prova de que a província sempre pertenceu a eles.

Algumas das múmias, entre as quais uma mulher bem preservada conhecida como a “Bela de Loulan”, foram analisadas por Li Jin, geneticista da Universidade Fudan, que em 2007 afirmou que o DNA continha marcadores indicando origens do leste ou até mesmo do sul asiático.

Sepultamentos em barcos eram comuns entre os vikings

As múmias do Cemitério do Pequeno Rio são as mais antigas já descobertas na bacia de Tarim. Os testes de carbono realizados na Universidade de Pequim mostram que algumas têm 3.980 anos. Uma equipe de geneticistas chineses analisou o DNA das múmias.
Apesar das tensões políticas envolvendo a origem das múmias, os cientistas chineses afirmaram em um relatório publicado no mês passado pela revista científica “BMC Biology” que o povo tinha descendência mista, com marcadores genéticos europeus e siberianos, e que provavelmente veio de fora da China. A equipe foi liderada pelo professor Hui Zhou, da Universidade Jilin, em Changchun, e contou com a participação do Jin.

Todos os homens analisados tinham um cromossomo Y que hoje é encontrado principalmente no leste da Europa, na Ásia Central e na Sibéria, mas raramente na China. O DNA mitocôndrico, que é transmitido pelas mulheres, consistia de uma linhagem da Sibéria e duas que são comuns na Europa.

Uma vez que tanto o cromossomo Y quanto as linhagens de DNA mitocôndrico são antigos, Zhu e sua equipe concluíram que as populações europeia e siberiana provavelmente já haviam se mesclado antes de chegar à bacia de Tarim, cerca de 4.000 anos atrás.

Exposição das múmias da bacia de Tarim será inaugurada no dia 27 de março, na Califórnia

O cemitério foi redescoberto em 1934 pelo arqueólogo sueco Folke Bergman, mas ficou esquecido por 66 anos, até que uma expedição chinesa voltou a localizá-lo por meio de GPS.
Os arqueólogos escavaram a área de 2003 a 2005. Seus relatórios foram traduzidos e resumidos por Victor Mair, professor de chinês na Universidade da Pensilvânia e especialista na pré-história da bacia de Tarim.

Enquanto os arqueólogos chineses escavavam as cinco camadas de túmulos, narra Mair, eles encontraram cerca de 200 mastros, com quatro metros de altura cada um. Muitos tinham lâminas lisas, pintadas de preto e vermelho, como os remos de um grande barco naufragado sob as ondas de areia.
Na base de cada mastro havia desenhos de barcos, virados para baixo e cobertos de couro. Os corpos encontrados dentro dos barcos ainda vestiam as roupas com as quais foram sepultados.

A mortalidade infantil deve ter sido alta e a necessidade de procriação muito grande, especialmente por causa do isolamento"

Eles usavam chapéus de feltro com enfeites de penas, parecidos com os chapéus dos tiroleses, e capas de lã com borlas e botas de couro. As roupas de baixo pareciam vir de uma loja da Victoria’s Secret da Idade do Bronze – tangas de lã para os homens e saias feitas de fios para as mulheres.

Dentro de cada barco-caixão havia oferendas, como cestos de palha caprichosamente trançados, máscaras entalhadas e ramos de efedra, uma erva que pode ter sido usada em rituais ou como remédio.

Nos caixões das mulheres, os arqueólogos chineses encontraram um ou mais falos de madeira em tamanho natural, recostados sobre os corpos ou ao lado deles. Ao observar novamente o formato dos mastros de quatro metros que se estendiam da proa dos barcos femininos, os arqueólogos chegaram à conclusão de que na verdade eles eram símbolos fálicos gigantes.

Todos os barcos dos homens, por sua vez, estavam deitados sob os mastros cujas extremidades tinham a forma de lâminas. Os arqueólogos concluíram que não eram os remos que pareciam à primeira vista, mas sim vulvas simbólicas que combinavam com os símbolos do sexo oposto presentes nos barcos femininos.

“O cemitério todo estava coberto de símbolos sexuais explícitos”, escreveu Mair. Segundo ele, a “obsessão com a procriação” refletia a importância da fertilidade para aquele povo.

Arthur Wolf, antropólogo da Universidade Stanford e especialista em fertilidade no leste asiático, disse que os mastros talvez sirvam para marcar o status social, um tema comum em tumbas e cemitérios. “Parece que a maioria das pessoas deseja levar consigo o status, caso ele seja motivo de orgulho”, afirmou ele.

Mair considera a interpretação dos símbolos fálicos feita pelos arqueólogos chineses “uma análise plausível”.

A evidente veneração daquele povo pela procriação pode significar que eles se interessavam tanto pelos prazeres do sexo quanto pela sua utilidade. Segundo Mair, eles pareciam ter um respeito especial pela fertilidade, pois muitas mulheres foram enterradas em caixões duplos, com oferendas especiais.

Como essas pessoas viviam em um ambiente hostil, “a mortalidade infantil deve ter sido alta e a necessidade de procriação muito grande, especialmente por causa do isolamento”, explica Mair.

Outro possível risco para a fertilidade pode ter surgido da hipótese de membros da mesma família terem procriado entre si. “As mulheres que eram capazes de gerar crianças e sustentá-las até a idade adulta devem ter sido muito reverenciadas”, afirma Mair.

Mair também observou que diversos itens do Cemitério do Pequeno Rio se assemelham a artefatos ou costumes conhecidos na Europa. Sepultamentos em barcos eram comuns entre os vikings. Saias de fios e símbolos fálicos foram encontrados em locais de sepultamento da Era do Bronze no norte da Europa.

Não há assentamentos próximos ao cemitério. Portanto, é provável que as pessoas tenham vivido em outro lugar e chegado ao cemitério de barco. Não havia ferramentas de madeira no local, o que confirma a hipótese de que os mastros tenham sido entalhados em outro lugar.

Seca

A Bacia de Tarim já era árida quando o povo do Pequeno Rio chegou, há 4.000 anos. Eles provavelmente viveram no limite da sobrevivência até que os lagos e rios por fim secaram, por volta do ano 400 d.C. Os sepultamentos feitos com objetos como chapéus de feltro e cestos de palha eram comuns na região até 2.000 anos atrás.

Não se sabe qual era o idioma falado pelo povo do Cemitério do Pequeno Rio, mas Mair acredita que possa ter sido o tocariano, um idioma antigo de origem indo-europeia. Manuscritos em tocariano foram descobertos na bacia de Tarim, onde o idioma era falado entre os anos 500 e 900 d.C.

Apesar de sua presença no oriente, o tocariano parece estar mais relacionado aos idiomas “centum” da Europa do que aos idiomas “satem” da Índia e do Irã. A divisão se baseia nas palavras usadas para “centena” em latim (centum) e em sânscrito (satam).

Os moradores do Pequeno Rio viveram mais de 2.000 anos antes da primeira evidência do idioma tocariano, mas existe “uma clara continuidade de cultura”, afirma Mair, nos sepultamentos realizados com o uso de chapéus de feltro, uma tradição preservada até os primeiros séculos depois de Cristo.

Uma exposição das múmias da bacia de Tarim será inaugurada no dia 27 de março, no Bowers Museum, em Santa Ana, Califórnia. Será a primeira vez que elas serão vistas fora da Ásia.

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