quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Bahrein luta para proteger túmulos históricos do rápido avanço das cidades


Túmulos históricos do Bahrein podem sumir com o rápido avanço da cidade. Interesses econômicos do governo não garantem proteção ao patrimônio da 'Idade do bronze'. (Foto: Shawn Baldwin/The New York Times)

Comunidades preferem o progresso a manter cultura intacta.Governo não garante proteção para os monumentos.

Por Michael Slackman
Do ‘New York Times’, em Manama, no Bahrein

Há um conflito de valores ocorrendo na capital do Bahrein, o que é comum na região. Sua fabulosa riqueza de petróleo e sua grande influência na globalização têm subjugado patrimônios e tradições.

A questão que paira neste pequeno reino no Golfo Pérsico é esta: poderia Bahrein proteger a maior concentração de sepulturas da Idade do Bronze já encontrada e, ainda assim, corresponder às necessidades contemporâneas de seu povo? Poderiam eles preservar seu passado e, ao mesmo tempo, acomodar seu presente? “As pessoas estão exigindo moradias e desenvolvimento”, disse Al-Sayed Abdullah Ala’ali, membro do parlamento. “Elas querem tudo que é importante para suas vidas hoje”.

Em apenas algumas décadas, os petrodólares e a modernidade dividiram os estados árabes no Golfo Pérsico, elevando os padrões de vida enquanto esquecem práticas que haviam definido a identidade do local por gerações. A pesca e o mergulho de pérolas foram substituídos por petroquímicos e serviços financeiros. O inglês desafiou o árabe como o idioma dos negócios. Esquemas tradicionais se tornaram novidades. O pouco da arquitetura antiga que restava foi devastada para dar lugar aos arranha-céus de aço e de vidro. “É uma luta entre velho e novo, entre identidade cultural e desenvolvimentos recentes que a confrontam, entre autenticidade e modernidade”, disse Ahmad Deyain, escritor de um vizinho regional, o Kuwait.

Túmulos históricos
Bahrein é uma coleção de 36 ilhas no Golfo Pérsico, embora a maioria de seus 730 mil residentes viva agrupada na capital, Manama. Meio século atrás, havia dezenas de milhares de túmulos que conectavam os cidadãos de Bahrein ao passado da ilha. As sepulturas se estendiam sob um sol escaldante, a maioria com a altura de um carro, cobertas de pequenas pedras cinza. O povo de Bahrein diz que havia mais de 300 mil, mas Karim Hendili, conselheiro da Unesco junto ao ministro da cultura, disse que o número estava mais próximo a 85 mil. Ele disse que há, no máximo, 6 mil restantes em 35 campos de enterros. Esse é um número sobre o qual todos parecem concordar. E esses locais restantes, segundo ele, “estão extremamente ameaçados”.

Construídos por habitantes da ilha de aproximadamente 2.500 a.C. a 500 d.C., eles oferecem um olhar ao que Hendili chama de “uma civilização perdida da Idade do Bronze”. Acredita-se que o Bahrein tenha sido a capital de Dilmun, situada ao longo de uma rota de comércio ligando o Vale do Indo e a Mesopotâmia.

A maioria dos túmulos contém uma câmara mortuária no formato de uma bota ao seu lado. O corpo era colocado em posição fetal enquanto os itens pessoais, potes de cerâmica, selos pessoais e facas eram armazenados aos pés. O valor da sepultura não está necessariamente no que contém, mas no que eles contam sobre as vidas, valores e práticas funerárias de uma civilização antiga. “Há um ditado por aqui: ‘Você não pode dar prioridade aos mortos. Você precisa dar moradia aos vivos’”, disse Hendili, que chama as sepulturas de “ajuntamento funeral de Dilmun e Tylus”.

Patrimônio mundial
A ministra da cultura e informação, Mai Bint Mohammed al-Khalifa, tem sido a força motora por trás da tentativa de preservar e promover o passado de Bahrein. Ela esteve ativamente envolvida na primeira nomeação de Patrimônio Mundial da Unesco em Bahrein, e está trabalhando com Hendili para tentar indicar 11 dos 35 campos de enterros restantes como sítios de patrimônio mundial.

Com túmulos, entretanto, ela enfrenta não apenas a batalha existencial entre construir e preservar, mas também o desafio dos interesses garantidos legalmente. Em resumo, a questão é a seguinte: segundo as autoridades locais, os cidadãos com menos direitos civis do Bahrein precisam sustentar a maior parte da carga da preservação, pois os ricos e bem- relacionados sempre conseguem a permissão para construir em suas terras.

Mesmo aqueles que defendem a preservação reconhecem que ficou muito mais difícil convencer as comunidades de renda baixa do valor dessas sepulturas quando eles enxergam as casas dos ricos e bem-relacionados , logo do outro lado da rua, subirem onde antes estavam as sepulturas. “Trata-se de um jogo de interesses”, disse Yousif al-Bouri, presidente do Conselho Municipal do Norte, um grupo que representa mais de 30 vilas. “Existem todos esses sinais que dizem ‘você não pode fazer isso, você não pode fazer aquilo’. De repente os sinais se apagam e os túmulos são retirados. Estas eram terras do governo dadas a pessoas bem-relacionadas, que as venderam”. Bouri representa a vila de Bouri, que fica a 16 quilômetros da capital. Diretamente do outro lado da moderna rodovia está outra vila, A’ali, com população de cerca de 9 mil pessoas. Ambas são de maioria xiita e fazem fronteira com grandes campos de sepulturas, que permanecem intocadas.

Há campos de sepulturas muito maiores em A’ali, também, chamados Tumbas Reais, montanhas de areia e rochas mais altas que as casas de bloco de dois e três andares onde as pessoas moram. Parece que todas as Tumbas Reais foram saqueadas, transformadas em pilhas de lixo anos atrás. A vila cresceu ao redor delas. “A vila de A’ali é o único lugar no mundo onde você tem a interação da vida contemporânea e os elementos funerários da Idade do Bronze”, disse Hendili. Porém, acrescentou ele, “Não há mais garantia de que elas serão protegidas”.

Hendili e a ministra da cultura, Khalifa, têm algum apoio nas vilas. Mas pode ser apenas que a confluência de interesses – o rico que quer vender suas terras e o pobre que precisa construir nas suas – seja a força que prevalece, dizem alguns especialistas. Aqueles a favor da preservação dizem que a estratégia do governo parece ser não fazer nada, e esperam que o problema simplesmente vá embora. “O governo não quer enxergar esse problema por conta de seus interesses pessoais”, disse Ala’ali, membro do parlamento. Segundo ele, essa situação deixa de lado um ponto muito mais importante, o de que as duas partes do conflito nunca deveriam ter sido definidas como excludentes. Preservação e progresso são, na verdade, dependentes um do outro. “Quem não tem passado”, disse ele, “não tem futuro”.


Tradução: Pedro Kuyumjian

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