- LONDRES - Arqueólogos britânicos descobriram o que acreditam ser o
"calendário" mais antigo de que se tem notícia no mundo, com pelo menos
dez mil anos de existência, na região de Aberdeen, na Escócia. O
monumento do período mesolítico capaz de medir as fases das lua e os
meses do ano, encontrado em escavações realizadas em 2004, está sendo
trazido a público, pela primeira vez, em artigo publicado hoje na
revista “Internet Archaeology” pela equipe de especialistas liderada
pela Universidade de Birmingham.
As investigações abrem caminho
para novos estudos sobre o desenvolvimento da Humanidade e a concepção
de tempo na História a partir deste dispositivo luni-solar construído
por sociedades de caçadores-coletores, até então consideradas mais
atrasadas do que a dos agricultores, por exemplo.
- Não pode haver
história sem tempo. Não se pode começar a escrever a história sem
tempo. E esse é um passo importante para a construção do tempo e,
consequentemente, da própria história. Não há nada igual na Europa, nem
no resto do mundo - disse ao GLOBO o pesquisador-chefe, o professor de
arqueologia de paisagem da Universidade de Birmingham, Vince Gaffney.
Segundo
o professor, as evidências sugerem que essas sociedades tinham a
necessidade e a sofisticação de medir o tempo através dos anos, de
corrigir as diferenças sazonais do ano lunar. E isso aconteceu cinco mil
anos antes dos primeiros calendários formais conhecidos pelo homem,
encontrados na antiga Mesopotâmia.
Não chega a ser uma surpresa
que as pessoas se baseassem na lua para fazer seus calendários. Isso
porque ela é o único corpo celeste que se presta a essa papel. Muitas
sociedades antigas chegaram a monitorar as várias fases da lua, mas não
tinham necessariamente calendários. No período paleolítico, de acordo
com Gaffney, há evidências de desenhos do ciclo da lua. Mas tampouco
consistiam em um calendário.
Gaffney conta que os pesquisadores
encontraram um conjunto de 12 pedras bastante peculiares de tamanhos
diferentes, que parecem as fases da lua, no campo de Warren. Por sinal, o
sítio foi encontrado a partir de marcas em plantações, identificadas
por imagens aéreas pela Comissão Real dos Monumentos Antigos e
Históricos da Escócia (RCAHMS, na sigla em inglês). De acordo com Dave
Cowley, gerente dos projetos de pesquisa aérea do RCAHMS, o grupo
fotografou a paisagem escocesa por quase 40 anos.
- Registramos milhares de sítios arqueológicos que nunca teriam sido detectados a partir do solo - afirmou Cowley.
As
pedras não estavam dispostas de maneira arbitrária, mas arrumadas por
tamanhos, desde as menores às maiores, voltando às menores novamente. E
estavam orientadas em direção ao lugar onde o sol nascia, de uma
passagem entre duas montanhas.
- Você tem um grupo de pessoas que,
pela primeira vez, com base na observação astronômica, começa a
entender o tempo, a pensar o que vai acontecer no futuro e não mais no
passado. Não é que não pensassem que tinham um futuro antes. O que não
tinham era a ideia de uma unidade tempo a partir da qual poderiam pensar
ou registrar o que acontecia - explica Gaffney.
Outra grande
revelação associada à descoberta, segundo o cientista de Birmingham,
está no fato de se verificar que os caçadores e coletores,
diferentemente do que se imaginava, tinham a capacidade de planejar as
suas atividades. Como dependiam de recursos naturais para sobreviver,
eles provavelmente passaram a saber os períodos em que se abriam as
rotas no rio, ou quando os peixes seriam mais abundantes. Não se
descarta a possibilidade de essa sociedade, justamente pela capacidade
de planejamento, ter se tornado mais longeva do que as que a precederam.
Além
disso, por razões sociais, há períodos em que é necessário estocar uma
grande quantidade de comida para permitir reuniões sociais, reprodução
ou outras atividades.
Para Christopher Gaffney, da Universidade de
Bradford, saber que os recursos naturais estavam disponíveis durante
diferentes períodos do ano era crucial para a sobrevivência.
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Essas comunidades precisavam caçar animais que migravam e as
consequências de perder o período certo eram a fome. Por isso, essas
perspectivas, nossa interpretação do sítio como um calendário faz todo o
sentido - disse o especialista de Bradford.
O professor de
Birmingham reconhece que as sociedades que inventaram este dispositivo
complexo na Escócia podiam não ter o entendimento que os cientistas têm
hoje.
- Eles podiam achar que, por entender o nascer do sol e o
solstício, seremos bem tratados pelos deuses, os peixes virão até nós e
poderemos reunir nossos amigos e sobreviver - disse.
Para Vince
Gaffney, o resultado dessas pesquisas é apenas o começo para muitas
outras. O próximo passo é identificar sítios similares no país. Segundo
ele, a célebre formação de Stonehenge, por exemplo, a uma hora e meia de
Londres, tem semelhanças com as pedras encontradas em Aberdeen. Mas
ainda não há evidencias da sua utilização. Ele afirma que os calendários
recém-descobertos podem não ter apenas a divisão do tempo em meses, mas
em dias. No entanto, destacou que é necessário encontrar provas disso.