Pesquisador reconstruiu o gnômon indígena, usado como relógio solar (Foto: Divulgação)
Reinaldo José Lopes
Na alvorada deste domingo (23), quem visitar uma praia de Garopaba, em Santa Catarina, terá a chance de ver como os povos que habitavam o Brasil há milhares de anos faziam observações astronômicas. Um pesquisador da Univesidade Federal do Paraná (UFPR) descobriu na região uma série de antigos observatórios astronômicos indígenas e reconstruiu um deles, o qual deverá servir para resgatar a protociência desses povos ancestrais e ajudar jovens de hoje a entender os segredos do céu.
Germano Afonso, doutor em astronomia pela Universidade de Paris e professor aposentado da UFPR, contou ao G1 que a idéia é transformar a réplica detalhada dos antigos observatórios indígenas num centro de ensino de ciências no começo de todas as estações do ano – a inauguração do dia 23 aproveita a ocasião do equinócio de primavera (nome dado ao evento celeste que marca o início dessa estação). “A gente quer espalhar réplicas dele em várias cidades do Brasil. Isso pode ajudar as crianças a fugir da decoreba e ver na prática como funcionam os pontos cardeais e as estações do ano”, avalia ele. O projeto está sendo avaliado pelo Ministério da Educação e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Aliás, não será por falta de verba que ele deixará de ser aprovado. À maneira de um Stonehenge brazuca (bem menos grandioso, é verdade), o observatório refeito por Afonso é um conjunto de pedras dispostas de forma planejada. A principal delas é um monólito vertical de uns 80 cm de altura, no centro do sistema, que funciona como gnômon – palavra grega usada para designar o que nós chamaríamos de “ponteiro” de um relógio solar.
Quatro possíveis exemplares de gnômon, feitos de pedra, foram achados pelo pesquisador em Garopaba, um deles ainda com rochas menores dispostos à sua volta. O funcionamento é simples e engenhoso: a luz do Sol faz com que o monólito vertical projete sua sombra no chão (a rigor, é a sombra, e não a rocha, que serve de ponteiro do relógio solar).
A variação do caminho aparente do Sol no céu ao longo do ano é, assim, registrada, e com um pouco de prática de observação se torna possível determinar tanto a hora do dia quanto o início e o fim das estações do ano. As pedras dispostas ao redor do monólito ajudam a indicar os pontos cardeais. Na versão reconstruída, esse “mostrador” do relógio tem 5 m de diâmetro.
Arraigados
“É algo muito arraigado nas culturas ágrafas, ou seja, que não têm escrita. Há coisas parecidas na Babilônia e no Egito, mas não é que seja necessário contato cultural para que a idéia seja passada – é algo tão direto de elaborar com observação da natureza que surgiu independentemente em vários lugares”, explica Afonso. Mesmo no Brasil, monólitos desse tipo são encontrados de norte a sul. O astrônomo diz que, por tudo isso, é difícil determinar quando a tecnologia surgiu por aqui, embora ela certamente tenha vários milhares de anos de idade. “Em Garopaba, os construtores provavelmente eram índios guaranis”, afirma ele.
“É difícil datar os observatórios, no entanto. Você pode datar a cerâmica dos sítios arqueológiocos perto deles, mas quem garante que a cerâmica ali foi feita na mesma época em que eles foram montados?”, objeta. Os possíveis restos de gnômon, no entanto, não são os únicos marcadores astronômicos deixados pelos guaranis ou seus ancestrais no litoral catarinense. Outra estrutura de pedra estudada por Afonso em Garopaba parece especificamente dedicada a marcar o solstício de inverno (nome dado ao início oficial da estação mais fria). “Eu estive lá em 21 de junho deste ano [a data do solstício], na manhã, e é impressionante como o Sol nascente se encaixa de forma perfeita naquele pequeno orifício de rochas perto da praia”, relata o pesquisador. “Por uma coincidência incrível, foi nesse mesmo dia que as primeiras baleias francas chegaram a Garopaba.”
O dado deixa entrever o que era possivelmente a principal função dos observatórios: ajudar a mapear mudanças sazonais importantes em recursos de pesca, caça e colheita. Ainda não dá para saber se a chegada das baleias tem a ver com o fato de que os antigos guaranis realmente capturassem o gigantesco mamífero. O evento, batizado de “O Sol das Baleias”, acontece a partir das 6h da manhã de domingo (23), na Ponta da Vigia, em Garopaba (SC).
Fonte: O Globo on line